terça-feira, 29 de setembro de 2009

Foi mais ou menos assim


Passeamos todos os montes e vales, subimos a todas as árvores seculares, colhemos todos os frutos e flores, bebemos toda a água daqueles rios selvagens, cavalgamos todos os campos de alfazema que a nossa vista alcançava, pintamos todas as pedras da calçada, descemos todas as ruas e ruelas que haviam na nossa aldeia, na aldeia da nossa imaginação. Fizemo-lo de coração aberto aos sonhos, pregados a um sorriso tolo que nos rasgava o rosto. Fizemo-lo de mãos dadas, entrelaçados um no outro, como se nada mais houvesse a viver. Como se o barco não regressasse à margem, como se tudo se esgotasse em nós. Foi intenso, foi louco. Foi o reino que nos dizia o mundo, foi o luar do nosso contentamento. De repente, tombou, tombou para o seu lado mais fraco, tombou simplesmente. Tombou de quê, perguntas tu. Sei lá, digo eu. Diria que tombou de cansaço, saciado, porque a abundância também mata. Implodiu. Queimou as asas num daqueles muitos momentos em que tentou beijar o sol. Jaz agora nos calhaus mais agrestes, com um fio de sangue a serpentear-lhe o rosto, a manchar as vestes brancas de outras vidas. Mas foi bonito, foi muito bonito.

1 comentário:

  1. Fica a lembrança que "foi bonito, foi muito bonito".

    Saber o porquê nem sempre importa, importa que valeu a pena e que foi vivido com intensidade.

    Gostei do texto.

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